sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Voando com o estranho ou com a bela da tarde?

Voando com a bela da tarde
            Ela devia ter o quê? Vinte, vinte e um.
            Eu estava sentado na 10C, corredor. Ao meu lado, duas poltronas vagas. Ela vem vindo lá da frente e o pensamento começa a dizer aqui, aqui, aqui. E ela se sentou aqui. Levantei-me quando chegou, sou educado, mamãe me ensinou. E minha filha acrescentaria: velho tarado.
            Sabe gracinha? Pois. Meio esculhambada, despenteada no ponto certo, calça de brim justa e amarrotada. Pele de pêssego, como diria Machado de Assis se cá voasse.
            Mal o avião se estabilizou lá em cima, ela foi para o banheiro com uma espécie de frasqueira. Lincença, licença, joelho com joelho.
            Uns quinze minutos lá dentro, o que já estava me deixando preocupado. A porta se abre e saiu outra moça lá de dentro. Quer dizer, era ela, mas tinah trocado de roupa. Devia ter o que agora? Trinta, trinta e cinco? Um tailleur (não sei se é assim que se escreve, mas ela usava essa coisa horrível). Quase dei um toque, mas eu não tinha nada haver com aquilo. Queria dizer que ela era muito mais bonita, jovem. Um pedaço da barra da calça Lee saía para fora da frasqueira me lembrando como ela era há vinte minutos e alguns anos atrás.
            Eis que pega uma outra frasqueira, retira duas escovas lá de dentro e dá um trato no cabelo. Alisou aquele desarranjo tentador. Prendeu atrás. Já estava com uns quarenta anos a minha mocinha.
            Mas a coisa não parou por aí. Pegou lá de dentro o material de pintura. Colocou um espelho na mesinha onde deveria ter colocado um vinho tinto, como eu. E começou a transformação final. Base, rímel, batom. Colocou olheiras nos olhos, sombras, penteou a sombracelha (que palavrinha...) com um minúsculo pincelzinho preto. Deve ter colocado uns cinco centímetros de base. Sua pele sumiu lá embaixo. O pêssego virou um abacaxi, E, pasmem!, meteu uma pinta falsa na bocheca antes rosada, agora amarelo-malária.
            Pronto, ela estava com cinquenta anos. Ou mais.
            E eu ali, olhando e começando a imaginar quem é que estaria esperandoa moça em Florianópolis. O cara devia ter um mau gosto danado. Quase que eu pensei em falar com ela: como é que o cara vai te beijar, te apertar, se você está com essa gosta toda na cara? Como é que ele vai te beijar toda besuntada assim? Mas tem gente que gosta e eu fiquei na minha.
             Foi quando ela tirou uma carta da bolsa. Pelo jeitão do amassado do papel ela já deveria  ter lido aquilo umas dez vezes.
            Mas leu de novo, ali do meu lado, na 10A. Seu rosto (ou o que restava do seu rosto) foi se contraindo e la começou a chorar. No começo um chorinho humilde para aquelas alturas. Mas depois a coisa ficou feia. O rosto dela, com aqueles pares e pares de lágrimas foi se melecando com aquilo tudo. Pegou o guardanapo, passou na cara e agora ela parecia uma velhinha camuflada.
            E eu olhando. Rasgou a carta em mil pedaços. Me pediu desculpas, sei lá por quê. Pediu licença e foi para o lavatório (que é como se chama banheiro em avião). Desta vez ficou ficou uns vinte minutos e eu ali na 10C apostando comigo mesmo como é que ela iria sair desta vez.
             Para meu espanto e alegria, saiu de lá como entrou no avião. Aproveitou que estava no lavatório, lavou tudo, despenteou- se e colocou a velha e boa calça Lee desbotada. Aproveitou e salpicou um sorriso no rsoto, como se fosse o talinho de um pêssego. Voltou, joelho-joeljo, sentou. Agora de tênis. Limpo, mas honesto tênis.
            E eu, ali, olhando.
            Olhando e pensando em quem estaria esperando a menina no aeroporto. Pensando no teor (ou terror) daquela carta.
            O avião desceu. Eu desci e fiquei esperando ela para pegar a mala. Eu tinha que saber como ia chegar a menina. O encontro. Como ia ser recebida, de novo com vinte anos. Mas ela não desceu do avião. Não sei se desistiu ou se o seu destino era mesmo Porto Alegre.
            Fiquei desesperado, liguei para Luis Fernando Verissimo. Queria que ele fosse até o aeroporto de lá para ver a chegada da minha menina. Como semprem ele estava viajando. Tentei o Peninha, o Eduardo Bueno. Secretária eletrônica. Quem mais eu tenho em Porto Alegre?
            Ninguém, a não ser ela, a moça da fileira 10.
Mario Prata. O Estado de S. Paulo - Caderno 2, p. D 8. São Paulo, OESP, 1º./8/2001.

Imagine um enredo para a menina do avião. Por que ela trocou de roupa? O que estava escrtio na carta? Pra onde ela estaria indo? Com quem iria se encontrar?

Voando com o estranho da tarde
            Entrei no avião, com alguma dificuldade para achar a minha poltrona: aqui, aqui, aqui? dizia várias vezes. Até que encontrei, a tal 10A. Um homem muito educado, se levantou para que eu passasse e chegasse ao meu assento.
            Me ajeitei na poltrona e coloquei minha bolsa sobre meu colo, mandei um SMS para meu empresário dizendo que já estava partindo em direção a Florianópolis.
            Desliguei meu celular.
            O avião decola. Eu, me dirijo ao banheiro para trocar-me de roupa. Quando saio do mesmo, o homem da 10C, me olha com cara de espanto e me olhou tão fixamente que nem ele mesmo tenha percebido que me encarou tanto tempo. Fui até minha poltrona e me sentei.
            Pego uma frasqueira em minha bolsa, e dela tiro duas escovas. Penteio meu cabelo e o amarro para trás. O homem da 10C, não parava de me olhar. Eu, suava frio, já com medo.
            Tirei de minha bolsa um espelho, onde o coloquei sobre a mesinha para lanches e comecei a me maquiar. Base, rímel, batom. Coloquei olheiras nos olhos. Sombra. Passei muita maquiagem para esconder minha cara de acabada por uma balada na noite anterior.
            O homem não parava de me olhar. Poderia ser um ladrão, ou somente um curioso? Não me intimidando com o tal, retirei de minha bolsa as falas, que deveria decorar para as cenas da novelanque gravariamos em Floripa. Repassei as falas em memória e chorei. Chorei, pois o meu papel naquela fala, era chorar. Lamentar e chorar, pela morte do filho da personagem que morreu de acidente de carro. Terminada a passagem das falas, peguei um guardanapo e enxuguei as lágrimas que já borravam a maquiagem.
            Rasguei as falas. Minha mãe teria passado por isso. Um dos meus irmãos haveria morrido em um acidente de carro.
            Não gosto nem de lembrar, me arrepio toda. Olhei para o homem da 10C e pedi desculpas por ter chorado. Ele, tadinho, não deveria estar entendendo nada.
            Me dirigi ao banheiro, lavei meu rosto, troquei de roupa e saí como havia entrado no avião.
            O avião desceu em Porto Alegre e o homem da 10C, ali desceu. E eu segui para Floripa, onde todos me aguardavam para a gravação da novela.
Mateus Fernandes, 1º ano "A", professora Maria Aparecida Ferreira Morais

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